domingo, 22 de janeiro de 2012




as palavras perigosas dormem com os livros e a manta recolhe bocejos
num sono decadente que não nos conduz a parte nenhuma.

saber que os súbitos desejos da memória são inférteis cordões de linho já é um começo.



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sábado, 21 de janeiro de 2012


Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei.
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade!

Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro, 1921.



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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012





escrevo no pulso o que em movimento
queima

um espelho largo onde as mãos brilham.



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